20140718

Gonçalo is speaking # 28

   [Carolina]

   Enquanto bebericava o meu chá de limão pensava em como a minha vida se tinha tornado patética e triste numa questão de dias, mais do que já era antes. Não merecia uma medalha de ouro por isso? Olhava para a paisagem além da janela que mostrava o jardim em que eu e o Gonçalo criamos uma ligação - ou assim pensava eu (como entre tantas outras coisas), estava acompanhado por um céu laranja e a brisa do final de tarde fazia com que as árvores dançassem umas com as outras num ritmo lento. Num momento as folhas de um grande salgueiro misturavam-se com folhas de um outro igual, parecendo convidar a sua parceira para se juntar a ele, como no momento a seguir esta era deixada sozinha e as suas folhas já estavam embrenhadas numa outra qualquer desempenhando o mesmo papel, a volatilidade das coisas era tão grande. Num segundo estavam lá como no a seguir já tinham partido, escapado por entre os dedos, sem nos apercebermos que iria acontecer. Oh deuses das raparigas com o coração partido ajudem-me nesta vida ridícula e cheia de clichés
   - Em quê que pensas tanto? - perguntou a minha mãe assim que entrou na cozinha. Acabara de dar o jantar ao Carlos e este de certeza que já dormia.
   - Em clichés da vida - respondi eu, soando um pouco sarcástica. A minha mãe empoleirou as costas na banca e olhou de soslaio para mim enquanto folheava uma revista.
   - O que é que te faz pensar nisso?
   - A forma como as coisas acontecem, acho - mal disse isto a minha mãe fechou a revista e olhou seriamente para mim. Inspirou bruscamente e preparava-se para falar.
   - Ouve Carolina, sei que as coisas agora não estão fáceis e que não tenho muito tempo para te dar atenção mas...
   - Mãe, tudo bem a sério - interrompi-a. Já era deprimente o suficiente estar ali sentada de coração partido para a minha mãe estar a desculpar-se por coisas que obviamente ninguém tinha culpa.
   - Só quero que saibas que ainda estou aqui se precisares de alguma coisa - disse ela, com ar abatido. - Falo a sério, Carolina.
   - Eu sei, mãe - disse sinceramente, era verdade e eu sabia-o. Ela sempre me apoiou em tudo o que eu precisa-se, por vezes sem eu ter que dizer nada. - Por favor, a última coisa com que te tens que te preocupar agora é comigo.
   - Vou sempre preocupar-me contigo - esboçou um meio sorriso - sou a tua mãe.
   - É justo - mostrei os dentes. O ambiente naquela divisão já estava mais confortável, mas rapidamente mudei de ideias.
   - À pouco quando chegaste, foi o Gonçalo que te veio trazer? - perguntou ela e o meu coração encolheu-se tanto que me deixou nauseada. Como é que as pessoas conseguiam ter um timing tão bom em falar sobre certas coisas? 
   - Sim - respondi sem demonstrar qualquer tipo de sentimento.
   - As coisas estão bem com vocês dois? - perguntou com algum receio na voz, ela sabia que estava a pisar terreno instável.
   - Melhor não podiam estar - forcei um sorriso mas não sei se a convenci. As coisas já não estavam bem à muito tempo, partindo do princípio que o meu tio estava a morrer e não havia maneira de virar costas a isso. O sono dele cada vez era mais longo e gostava de poder dizer que ele ainda mantinha o bom humor e o optimismo para enfrentar a doença mas se o fizesse estaria a mentir, isso só acontece nos filmes. Apesar de conseguir falar-lhe pouco fazia-o sempre que ele se mantinha acordado, que devia ser provavelmente uns vinte minutos a meia hora. O tempo também nos estava a fugir por entre dedos e só podíamos esperar que o fim acontecesse da melhor maneira possível embora seja sempre sombrio falar sobre isto. Tudo isto acaba no rapaz de olhos cor de avelã por quem eu estou terrivelmente e incondicionalmente apaixonada. Demasiada pressão no meu rapaz de sonho? A Galdéria acenou a cabeça negativamente, não podia concordar mais com ela.


    Levantei-me e comecei a lavar a minha caneca que antes continha o chá, a minha mãe já estava instalada na cadeira de madeira enquanto desfrutava do seu pouco tempo livre de preocupações, não queria dar-lhe mais trabalhos. Assim que acabei coloquei-a na prateleira onde pertencia e despedi-me da minha mãe para passar mais uma noite sem ela. Não era como se a casa do Carlos não chegasse para toda a gente mas provavelmente tinha que ficar no sofá e já tinha enchido a minha quota parte de dormir em sofás em meses e também não tinha acesso às minhas coisas ou tinha que andar a mudá-las de casa em casa em curtos períodos de tempo, preferia assim. Assim que desci o degrau do autocarro para ir em direcção a minha casa senti o peso das emoções de hoje em cima dos ombros e do meu frágil esqueleto, no geral o dia tinha sido cansativo e mal podia esperar para chegar à cama e chorar na minha almofada enquanto tinha pena de mim e do que me estava a acontecer. Ver se havia gelado no congelador também era uma hipótese. Por um lado era bom que a minha mãe ficasse em casa do Carlos para cuidar dele, a última coisa que eu queria agora era sofrer e ter que levar com perguntas desnecessárias e desconfortáveis visto que ela estava um pouco alheia ao que se passava. Mal cheguei à porta principal encontrei um post-it colado no batente preto e suspirei bruscamente deixando o cansaço abater-se sobre mim. Boa, agora os vizinhos reclamam através de notas merdosas? Logo me apercebi que não era uma queixa quando no pequeno papel amarelo, que estava escrito com uma letra legível, dizia o seguinte:

   Não consigo virar as costas a isto,
   por favor diz-me que ainda há 
   hipótese de olhares para trás.
   - G

   O meu coração afundou-se e podia jurar que o ouvira a cair aos meus pés, desamparado e cheio de remendos. Entrei em casa, fechei a porta atrás de mim para me proteger de tudo aquilo lá fora e chorei até adormecer, sem gelados e sem almofadas amigas para me afagar as lágrimas e o cabelo.

   [Gonçalo]

   Esperei quinze minutos no carro do Bernardo com a cabeça pousada no volante enquanto dava uma música dos The Fray, não queria entrar na casa quando estava todo emocional fodasse! Eu não podia perdê-la, não quando estava a dizer a verdade. Os meus sentimentos podem ser confusos como a merda mas são sentimentos que eu nunca nutri por mais ninguém. Ela tinha que saber disso pelo menos. Quando me senti capaz tirei a chave da ignição e saí do carro, parecia que os meus pés se arrastavam enquanto me dirigia à porta de entrada da casa. Bati à porta mas rapidamente me apercebi que esta se encontrava aberta, entrei por mim mesmo colocando as chaves do carro no chaveiro e andei até à porta da sala, estava tudo exactamente igual. Não levou muito a notarem a minha presença e a Íris levantou-se de seguida para me acompanhar para outra divisão puxando-me pelo cotovelo. Quando estagnamos na cozinha reparei que o Bernardo também se tinha juntado a nós.
   - O que se passou? - Perguntou o Bernardo, um pouco alto demais.
   - Shh! Fala baixo! - Alertei-o. - Já basta o Rafa saber demais! Não quero o pessoal a falar disto! - Olhei-os com os olhos fulminantes e eles anuíram.
   - Raios, foste ter com ela, Gonçalo?
   - Não, ela estava no supermercado - expliquei. - Fui contra ela sem querer.
   - Vocês não se falavam? - Perguntou a Íris, desta vez.
   - Não, quer dizer, era complicado.
   - O tio dela tinha ido para o hospital, o que há de complicado nisso? - o Bernardo acusou-me e a Íris esbugalhou os olhos.
   - Tu sabias?! - dardejei-o com os olhos.
   - Tu não?!
   - Gonçalo, isso não se faz! - Exclamou a Íris e bateu-me no braço.
   - Eu não sabia, fodasse! - Ela torceu o nariz e tive cuidado com as palavras ou estaria prestes a levar um excerto de porrada da maria-rapaz. - Estavamos chateados e aconteceu uma merda esquisita!
   - Porquê que estavam chateados? - Perguntou a Íris. Olhei para o canto da divisão e fechei os punhos chateado, sem me aperceber estava a bater com o pé no chão. 
   - Gonçalo, estamos a tentar ajudar-te - disse a Íris com alguma ternura na voz, mais do que aquilo que desejava transparecer.
   - Levei-a a passear até um sítio que o meu pai costumava-me levar quando era pequeno, antes de ignorar completamente a minha existência e aconteceram umas merdas lá... - hesitei.
    - Que tipo de merdas? - Perguntaram os dois em uníssono e eu senti-me encostado à parede.
   - Caralho, vocês sabem... Merdas - não queria nada desabafar isto com eles, sobretudo sobre a intimidade da Carolina, era um assunto nosso.
   - Fodeste com ela?! - Perguntou a Íris preocupada levando uma mão ao peito. O Bernardo abriu a boca.
   - Não, raios! Não chegamos a isso! Era a primeira vez que ela estava com um rapaz e não sou um caralho insensível - ripostei eu e fitaram-me com dúvida no olhar, revirei os olhos. - Não para ela - esclareci.
   - Então, forçaste-a?
   - Não! - Bufei. - Correu tudo bem, aliás, foi fantástico para tanta castidade e inexperiência junta - soei sarcástico. - Depois ficamos constrangidos e eu agradeci e ela ficou fodida comigo por isso e armou-se em cabra depois de tudo o que fiz para ela nesse dia.
   - Agradeceste-lhe? - Perguntou a Íris, desconfiada. - O que lhe disseste ao certo?
   - Algo do género "Obrigado, tu sabes" - disse receoso.
   - A sério, Gonçalo? - Disse com um tom acusador. - Pensei que fosses idiota mas não um burro chapado! Disseste que foi a primeira vez que ela esteve com um rapaz e disseste-lhe 'Obrigado'?! Ela deve ter-se sentido usada, se não pior!
   - Que era suposto eu fazer?!
   - Tudo menos dizeres obrigado - concluiu o Bernardo.
   - Podias tê-la beijado e essas merdas que as gajas gostam! 
   - Mas o motivo por ela me odiar não fica por aí...
   - Que fizeste mais? - A esta altura ela dardejava-me com o olhar e eu engoli em seco.
   - Juro que desta vez não tive mesmo culpa, nem sei o que aconteceu!
   - Desembucha - disse a Íris sem paciência.
   - Na última festa a que fomos foi a noite em que o tio dela foi para o hospital, - disse eu devagar para me acompanharem - lembras-te de estarmos a jogar ao verdade e consequência e eu não conseguia encontrar o meu telemóvel? - Perguntei directamente à Íris.
    - Sim, quer dizer, ainda demoraste imenso tempo para o encontrar.
   - Exacto, fui encontrá-lo na cozinha, à beira da Jéssica - olhei para o Bernardo - aquela que eu andei em... tu sabes - Ele anuiu com a cabeça. - Pronto a Carolina disse-me que eu lhe mandei mensagens durante a festa, coisa que eu não fiz se nem sequer tinha o telemóvel comigo e ligou-me cinco vezes quando soube que o tio dela tinha ido parar ao hospital, o problema é que não tenho o registo de nada no meu telemóvel, nem de chamadas nem de mensagens.
   - Disseste-lhe isso? - Perguntou a Íris.
   - Sim! Ela não se acredita em mim - disse abatido.
   - Gonçalo, tens a certeza que foi isso que se passou? - Perguntou o Bernardo. - Não que eu te queira acusar de nada, mas sabes bem como foram sempre as tuas relações com as raparigas.
   - Bernardo, estamos a falar da Carolina, era incapaz de lhe fazer isso. Juro pelo que vocês quiserem.
   - Eu acredito-me em ti, mas então quem é que lhe enviou as mensagens para o telemóvel?
   - Não faço a mínima, nem sei como conseguiram tirar-me o telemóvel...
   - É melhor pores essa cabeça a funcionar então, quem quer que tenha feito isso não te quer ver bem com ela.
   Os dois olharam-me com preocupação, ao menos acreditavam em mim. A Íris passou-me uma mão no ombro e depositou um beijo casto na minha bochecha.
   - Tenho pena Gonçalo, a sério que tenho mas a pobre da rapariga merecia melhor - assim que disse isto saiu da divisão.
   - O que ela disse é verdade - rematou o Bernardo - se não atinares vais perder a única pessoa que se preocupa contigo de verdade.
   O meu corpo retesou-se ao ouvir falar em perda e eu sabia que mais sinceros não podiam ser comigo. Era fodido lembrar-me de todos os acontecimentos daquela noite após ter apanhado tamanha bebedeira. Pior que isso era saber que o que me mantinha junto à Carolina era um fio bastante fino prestes a rebentar se eu não fizesse nada acerca disso. Na única altura em que eu fui verdadeiro para uma rapariga ela não se acreditava em mim, haverá karma mais justo que este?
   Enquanto os outros todos se divertiam na sala com merdas fúteis eu permaneci sentado no sofá a pensar única e exclusivamente no pequeno bilhete que lhe deixei, será que ela já o tinha lido? Será que ela me ia dizer alguma coisa? Os meus pensamentos assombravam-me e não suportava a ideia de nem sequer estar perto dela. Era capaz neste mesmo momento meter-me num carro e ir a casa dela mas era demasiado cobarde. Senti uma pessoa a afundar-se no sofá ao meu lado o que me tirou abruptamente da hipnose, quando olhei um sorriso rasgava-se por entre cabelos castanhos ondulados, não tão bonitos como os da Carolina. Nada era mais bonito que ela. A rapariga recostou-se e deu-me um longo olhar sem perder o sorriso. Que caralho...
   - Gonçalo, certo? - Perguntou ela, ainda a olhar fixamente para mim. Esta atitude dela deixava-me desconfortável. Apenas anuí com a cabeça sem lhe dirigir a palavra. Ela rasgou ainda mais o sorriso.
   - És amigo da Íris? 
   Acenei de novo a cabeça.
   - O gato comeu-te a língua? - Perguntou ela soltando uma pequena gargalhada, enrugando um pouco o nariz. Olhei-a com mais atenção e percebi a figura que estava a fazer.
   - Hmm, não - respondi eu, sem dar mais nada a entender.
   - Sou a Safira, prazer - estendeu-me a mão e demorei a perceber que ela estava à espera de um aperto de mão, assim o fiz. - Não és muito perspicaz pois não?
   - Descobri agora que não - esbocei um meio sorriso.
   - Bem, já concordamos com alguma coisa - disse ela em tom de gozo. Se eu estivesse no meu espírito normal já a tinha mandado à merda mas a rapariga parecia tão simples e franca que chegava a amolecer-me.
   - És de cá? - Perguntei eu a tentar fazer conversa de circunstância.
   - Não, sou do sul mais para o interior, as pessoas costumam perceber pelo meu sotaque vincado mas visto que não és perspicaz eu perdoo.
   Estava tão na lua que nem me tinha apercebido disso, nem dera importância à rapariga mal a vira pela primeira vez.
   - Outch - fingi-me afetado - sabes, tenho outras boas qualidades.
   - Mal posso esperar para as descobrir - sorriu embaraçosamente.
   Eu sabia o que ela estava a tentar fazer mas não ia ter sucesso.
   - Porquê que te mudaste afinal? A vida lá era muito enfadonha para ti? - Perguntei tentando ofendê-la, o sul era uma seca do caralho.
   - Em parte sim, apesar de deixar alguns amigos meus que não eram muitos já estava tão cansada de viver com a minha mãe divorciada que passava a vida a embebedar-se e a trocar de namorado - pausou, nunca perdendo o sorriso - e como mimada que sou decidi ver se com o meu pai ia resultar melhor.
   O que ela acabara de dizer fora uma chapada na cara e um soco no estômago, a minha insensibilidade às vezes dava-me náuseas a mim próprio.
   - Desculpa, se eu soubesse...
   - Tudo bem - falou ela como se não tivesse dito nada demais. - Estou sempre a repetir a mesma história.
   - Como está a correr com o teu pai?
   - Bem melhor, pelo menos não tenho que agarrar no cabelo dele para vomitar quando chega a casa a meio da noite - dizia muito tranquila enquanto brincava com os dedos. Será que ela tinha uma doença mental?
   - Não pode piorar então - sorri.
   Gargalhou mais uma vez, a ruga no seu nariz voltou a formar-se e com ela vieram também umas pequenas covas nas duas bochechas. - E tu?
   - Que tenho eu?
   - Qual é a tua história?
   - Eu não tenho história - respondi confuso.
   - Oh, vá lá! Toda a gente tem uma história.
   - Ao que parece eu não.
   - Porquê que não te mostras?
  - Como assim? - Perguntei fazendo-me de despercebido, sei muito bem o rumo que aquela conversa estava a tomar e não queria partilhar a minha vida neste momento, nunca o fiz, muito menos com uma desconhecida.
   - És um enigma - disse ela, olhando-me agora séria.
   - Porquê que dizes isso?
   - Não deixas ninguém ver-te por dentro.
   - Reparaste nisso tudo enquanto falávamos?
   - Não é difícil, és muito conservador.
   - Isso é mau?
   - Para quem gosta de ti deve de ser - reparou ela - és um cubo de gelo.
   - Não  me vejo dessa maneira.
   - O que diz a tua namorada?
   Engoli em seco e as palmas das minhas mãos começaram a suar. - Não tenho namorada.
   - Quem era aquela rapariga então? - Perguntou ela com curiosidade. Ela não parecia medir as suas fronteiras e começara a pisar terreno proibido, fazia as perguntas como se não houvesse problema nenhum em desabafar com uma desconhecida.
   - Uma amiga.
   - Bem, ela definitivamente está apaixonada por ti - disse com uma confiança enorme.
   - Enganas-te - disse eu e o tom da minha voz de repente ficou mais carregado.
   - Ora ora... - disse com uma expressão divertida - tu não mostras os teus sentimentos como nem deixas receber dos outros. - Preparava-me para ripostar mas ela continuou. - Só um cego não vê a maneira como ela olha para ti e só esteve aqui durante cinco minutos. Achas que não és merecedor de receber amor?
   Ela pousou a mão na minha perna que saltitava ferozmente e olhou-me com alguma ingenuidade nos olhos, a minha boca de repente ficou seca. Aquele contacto era demais para mim mas ela parecia não saber distinguir as coisas ou saber o que é dar espaço a uma pessoa. Comecei a ficar ansioso à medida que a mão dela se colava mais à minha perna, deu-me o seu milésimo sorriso enquanto me olhava por entre as pestanas. Juntou-se perigosamente a mim e com um gesto rápido beijou-me castamente os lábios deixando-me encurralado. Perdi as estribeiras estando-me nas tintas se a ofendia ou não, agarrei-lhe os ombros e afastei-a bruscamente para que ela não se aproximasse mais. Olhei à minha volta e a Íris dardejava-me com o olhar trespassando um pouco de desilusão nos seus olhos vidrados. Fodasse! Safira ainda sorria, não conseguia entender o que lhe ia pela cabeça.
   - Que merda foi essa?! - Dirigi-me a ela com tom de voz alto, sem querer saber se os outros ouviam.
   - Não percebes? - o seu sorriso tornou-se maior e olhava-me como se fosse um puto de cinco anos que não estava a entender o que se passava.
   - Porquê que fizeste isso?!
   - Tu gostas dela.
   - O quê?
   - Tu, Enigma. Tu gostas dela. De outra maneira não reagias assim - fez um gesto com a mão na minha direção.
   - Que tens tu a ver com isso?! - os nós dos meus dedos já estavam brancos de tanto cerrar os punhos.
   - Podes ser um mistério para toda a gente mas para mim não és, Enigma.
   - Pára de me chamar isso! - Avisei-a furioso. A Íris levantou-se e pôs-se entre nós os dois, não sabendo como eu iria reagir a tanta invasão de privacidade da Safira. Todos os outros olhavam para o espectáculo, sabiam que o melhor era não meterem-se até mesmo o Bernardo.
   - Como podes ser tão cego?
   - Safira, pára. Estás a ultrapassar os limites - avisou-a também a Íris.
   - É verdade Íris, quando se tem um amor assim não se pode deitá-lo fora - sorriu (pela milésima primeira vez?) - é burro e cego por não ver que está a remoer numa coisa tão simples.
   - Tu não sabes de nada - disse eu por entre dentes.
   - Vai ter com ela, pode ser tarde demais.
   Não quis fazer o que ela me dissera, só porque odeio que mandem em mim mas aquelas palavras entraram em mim como chamas e queimaram-me o peito sem misericórdia, voltei as costas a toda a gente saindo daquela divisão num passo apressado, agarrei nas chaves do carro do Bernardo e pus-me porta fora, mais uma vez. Atrás de mim ouvi a voz da Íris a chamar pelo meu nome desesperadamente. Estava farto que as pessoas falassem de mim como se eu não fosse capaz de nutrir sentimentos ou como se eu não fosse capaz de sofrer por uma pessoa também, por uma rapariga, pela Carolina. Aquelas palavras afetaram-me tanto porque eram verdade e mais ninguém tivera a coragem de me enfrentar daquela maneira, pondo as minhas emoções à prova. Cliquei no acelerador a fundo apesar de não ter destino certo, uma música deprimente ecoava no carro e a letra começou a fazer parte dos meus pensamentos.

"Some things we don't talk about
Rather do without and just hold a smile
Falling in and out of love
Ashamed and proud of
Together all the while

You can never say never
While we don't know when
But time and time again
Younger now than we were before

Don't let me go
Don't let me go
Don't let me go"

   Uma sensação estranha entranhava-se agora na minha garganta e eu sentia que não podia respirar, lágrimas começaram a palpitar dos meus olhos e rolavam pelas minhas bochechas, eram tão pesadas que conseguia ouvi-las a cair nas minhas calças. Tentava tão desesperadamente controlar-me mas não conseguia, toda esta experiência era nova, a sensação de estar sem ela era demasiado dolorosa para a enfrentar como se não significasse nada para mim. Tinha de estar com ela. Travei de repente o carro e o meu corpo foi projetado para a frente contudo o cinto de segurança impediu que batesse em algum lado. Comecei a apertar demasiado o volante com tanta indecisão que se atravessava pela minha cabeça, bati nele três vezes seguidas e recuperei a respiração.
   - Vais perdê-la.
   De repente executei uma inversão de marcha arriscada e segui em direção a casa dela com toda a determinação que tinha juntado durante todo este tempo.



   Mal cheguei à porta principal hesitei, encostei a testa à madeira fria e reuni todas as razões do porquê de estar a fazer aquela loucura a meio da noite. Era fácil ser um cobarde e ignorar tudo o que se tinha passado, difícil era enfrenta-lo e assumir as respectivas consequências mas para bem da minha própria sanidade tinha que o fazer. Não ia deixar escapar outra oportunidade nem que fosse só para a ver, ela podia gritar comigo, insultar-me ou até bater-me mas preferia isso tudo ao silêncio dela. Já era tarde mas ainda assim toquei à campainha, esperei dez segundos e como não ouvi nada para além da porta toquei mais uma vez e outra e mais outra e ainda outra. As luzes do corredor acenderam-se sem estar à espera o que me fez dar um passo atrás, ouvia passos a dirigirem-se à porta mas o meu coração batia muito mais alto, disparando de ansiedade e nervosismo. Sentia que podia desmaiar a qualquer momento e então houve um silêncio antes do trinco da porta ser solto e esta abriu-se quase como sozinha mostrando uma rapariga com os caracóis perfeitos em desalinho e despenteados, os olhos ensonados mas também vermelhos e inchados e vestia um conjunto de calções com um top em tons cor-de-rosa que servia de pijama. Fiquei imóvel a olhar para aquela rapariga que apesar de desleixada do sono ainda era mais bonita aos meus olhos. Ela abriu mais a distância entre as linhas das pestanas e era notável que ela ainda tentava focar a pessoa à sua frente.
   - Que se passa? - Perguntou ela ensonada. - Já é tão tarde.
   Os meus olhos marejaram-se de lágrimas de novo mas nunca admitiria isso à frente dela. O nó na garganta instalou-se novamente e mordi o lábio inferior para não começar a soluçar, estava tão vulnerável que não conseguia comprimir as minhas próprias emoções.
   - Gonçalo? Que estás aqui a fazer? 
   O tom dela não era acusador, zangado ou carregado em vez disso era calmo e transportava um pouco de preocupação. Um canalha como eu não merecia que ela se preocupasse comigo, depois do mal que lhe fiz passar ela ainda se preocupava, que ironia. Olhei-lhe nos olhos e uma lágrima caiu sem eu conseguir evitar e dei um passo em frente mas assim que o fiz ela recuou, esse gesto magoou-me nas minhas profundezas que nem eu sabia que existiam. 
   - Gonçalo? - Chamou ela mais uma vez.
   - Carolina, perdoa-me - mal disse isto escondi a cara entre as mãos e comecei a soluçar freneticamente. Ela chegou-se mais perto e senti uma das suas mãos a pousar nas minhas costas, o pequeno toque fez despertar uma certa nostalgia e sem que ela estivesse à espera abracei-a entre os meus braços e puxei-a perto de mim, tão perto que quase a conseguia esmagar. - Perdoa-me, por favor. [soluço]
   Os meus apelos tocavam um pouco no desespero e repreendia-me por isso, a Carolina despertava algo mais em mim quer estivesse contente ou triste. Era de extremos o que tornava esta nova experiência cansativa. Sentia-a a tentar mexer-se entre os meus braços mas não fazia grande esforço, decidi folgar um pouco o espaço entre nós mas sempre com ela encostada a mim.
   - Vamos para dentro - convidou ela.
   Caminhava atrás dela fungando o nariz, por mais que isto fosse uma demonstração do que sinto por ela eu sentia-me demasiado exposto à sua frente. Era estranha esta mescla de sentimentos que eu não conseguia traduzir. Ela guiou-me pela mão até ao sofá e quando me sentei ela virou costas e dirigiu-se a outra divisão deixando-me sozinho. Na mesa de centro pude reparar nos tantos lenços de papel amachucados que se amontoavam pela mesma e no canto, quase escondido, estava o bilhete que lhe escrevi. Ela vira-o mas não me dissera nada, senti náuseas mais uma vez e tentei concentrar-me em manter uma respiração tranquila e serena. Passados uns minutos ela voltou com duas canecas na mão, ia entregar-me uma quando hesitou.
   - Está quente cuidado - informou ela.
   Eu peguei na chávena mas não estava assim tão quente, ela ainda assim se preocupava comigo, mais uma vez.
   - Fiz chá, para te acalmares - explicou ela - não sabia se querias comer alguma coisa.
   - Está bom assim - disse eu quase num sussurro.
   - Tens aí lenços se precisares também.
   Anuí com a cabeça e dei um trago da minha bebida ficando mais relaxado e calmo. Não sabia como começar a conversa ou sequer o que havia de dizer. Sou um estúpido do caralho, não devia ter feito isto. A minha posição no sofá emanava tensão e a Carolina apercebeu-se ficando mais rígida e de rosto fechado e indecifrável (ao contrário de uns dias atrás).
   - Que vieste aqui fazer? Não estavas numa festa? - Perguntou ela, obviamente magoada.
   - Vim para te ver - disse e nunca tinha sido tão sincero.
  - Gonçalo... - pôs os seus joelhos encostados ao peito e a sua mão livre na testa. De certeza que não dormira nada e provavelmente estava com uma dor de cabeça terrível, sentia-me cada vez mais culpado por ter aparecido.
   - Tens de te acreditar em mim - disse exasperado. - Eu não te menti sobre nada. Eu explico-te as merdas todas tim-tim por tim-tim, sei que não estou em posição de te pedir nada mas só peço que me oiças.
   - Tudo bem - rendeu-se. - Mas sem mentiras.
  Inspirei bruscamente e preparei mentalmente tudo aquilo que tinha para dizer. - É melhor começar pelo início disto tudo. O dia em que te levei a passear. - Ela anuiu em concordância. - Quando era pequeno o meu pai ainda me dava bastante atenção, eu era o filho pródigo dele visto que o meu irmão já tinha começado a fazer merda.
   - O que é que isto tem a ver?
   - Carolina, por favor - pedi e ela anuiu mais uma vez e fechou a boca. - Eu nunca te contei coisas do meu passado, só sabes o superficial. Como não deves saber o meu pai adorava pescar e como tal tinha gosto em passar o tempo livre comigo só para fazer com que eu gostasse de pesca tanto quanto ele. Quem diria? Um dia ele levou-me ao riacho onde nós dois tivemos, óbvio que lá não havia muito por onde pescar mas ele ficava contente só por me ensinar a técnica e eu claro, como era pequeno ficava fascinado com tudo aquilo que ele me dizia, parecia que ele partilhava segredos comigo que mais ninguém sabia. Merdas de criança - pigareei. - Ele levava-me bastantes vezes lá para passar o nosso tempo livre juntos até que se tornou o meu lugar preferido, era longe de tudo mas seguro ao mesmo tempo. Sentia-me eu mesmo lá, não precisava de me preocupar com nada nem com ninguém. Agora já sabes o valor sentimental que o sítio tem para mim, decidi levar-te lá porque representas o mesmo valor se não maior, muito maior. Sabia que ias confiar em mim e sabia que te ias sentir confortável num ambiente daqueles, ias abrir-te para mim e era esse o objetivo que queria atingir para os dois. 
   - Bem, lá isso conseguiste - comentou sarcasticamente, a expressão na cara dela insinuava dor.
   - Não é nada disso, Carolina - respirei fundo para continuar. - Sabia que nos íamos sentir confortáveis para admitir o que sentíamos um pelo outro. A cena que eu tive contigo foi fantástica, saber que fui o primeiro a poder tocar-te daquela maneira deixou-me feliz, fodasse tão feliz! Mas depois acobardei-me, como o fiz muitas vezes antes e é disso que me quero desculpar, por ter parecido ser menos do que aquilo que realmente foi. Não soube lidar com os sentimentos que estava a sentir, ainda não sei. Isto é tudo novo para mim, nunca me importei com outra pessoa antes e por isso, peço desculpa - bebi um pouco mais do meu chá para molhar a boca e esperei pacientemente a resposta dela.
   - Fizeste-me sentir suja, Gonçalo.
  - Eu sei Carolina mas és das melhores pessoas que já conheci e das mais puras.
   - E tu aproveitaste-te disso.
  - Sabes bem que não é verdade! - Fiquei nauseado. - Como és capaz de pensar uma merda dessas? Nunca fiz nada igual por ninguém sequer.
   - Claro, nunca levaste ninguém lá?
   - Só tu.
   - Não me acredito.
   - Ponho as minhas mãos no fogo se for preciso, Carolina - suspirei. - Achas que alguém conseguiu ter algo mais de mim a não ser fisicamente?
   A expressão dela mudou e fez uma careta com o que acabara de ouvir. O meu passado é real e apesar da ideia incomodar muitas vezes tenho de ser franco.
   - Gonçalo, eu não consigo confiar em ti, por muito que eu goste de ti tu tens muita bagagem e não me tens dado razões para me desacreditar dela.
   - Nunca estive tão vulnerável por ninguém, Carolina.
   - E eu estive? Mesmo assim não quiseste saber.
   - Sabes bem que não é verdade, eu próprio tenho medo dos meus sentimentos e eu nunca senti nada disto por ninguém e sinceramente estou farto de os esconder.
   - Mesmo assim, fizeste-me imensas coisas más. Mentiste-me em relação às mensagens, como explicas isso?
   - Carolina, obviamente alguém me tramou!
  - Quem, Gonçalo? E quem possivelmente sabia de nós dois quando tu andas tão paranóico por esconder o que nós temos? Se é que temos alguma coisa...
   - Não sei! Mas o meu telemóvel desapareceu na festa e eu não tenho registo nenhum das tuas chamadas, se não eu ligava-te de volta aliás eu estava a dar em doido por não ter notícias tuas.
   - Não sei se consigo confiar...
   - Fodasse, que tenho eu de fazer? - Perguntei frustrado. - Estava a jogar o verdade ou consequência que é estúpido como o caralho e a Íris deu-me uma consequência em que tinha que ligar a alguém mas aí eu já não estava com o telemóvel - beberiquei o chá. - Comecei a procurá-lo até que o encontrei na cozinha junto da...
   - Junto de quê? - Perguntou ela.
   Que otário de merda! Sempre estivera à frente dos meus olhos! Quando fui buscar a minha bebida pousei o meu telemóvel e foi quando aquela cabra apareceu e desde esse momento que já não tinha o tinha comigo. Quando o encontrei ela ainda teve a lata de dizer "Boa sorte com isso".
   - Fodasse!
   - O quê? Que é que se passou?
   - Fui tão estúpido! - Comecei a bufar e cerrei os punhos o máximo que consegui em volta da chávena, apetecia-me bater-me a mim mesmo.
   - Gonçalo, não estou a entender.
   - Foi a puta da Jéssica - disse num murmúrio.
   - Quem é a Jéssica? - Perguntou com uma incógnita na cara.
   - Tenho mais uma coisa para te contar... - senti um aperto no coração, era desta que ela me deixava. - Mas tens que prometer ter uma mente aberta.
   - A sério, Gonçalo? Diz-me - exigiu ela.
   - Eu tive uma cena com essa Jéssica, que não acabou bem.
   - Porquê?
   - Porque ela é uma oferecida e eu estava sempre com a cabeça em ti, acabei por me irritar com ela um dia e chamei-lhe tudo o que me foi possível antes de sair da beira dela.
   - Pensavas em mim?
   - Basicamente e deixou-me enojado estar com ela e pensar em ti.
   - Espera, isso foi quando?
   - Fui um estúpido do caralho, Carolina - pausei - mas eu não sabia o que andava a sentir por ti, queria provar que era mentira.
   - Quando foi? - Os olhos dela já marejavam e eu não queria lançar mais uma faca nas costas dela.
   - Houve uma noite em que fui sair com o Bernardo e conheci-a na discoteca, trocamos de número sem eu saber muito bem e ela mandou-me mensagem no dia a seguir - inspirei bruscamente. - Carolina...
   - Quero saber, Gonçalo! Sem mais mentiras, prometeste!
   - Começou mais ou menos quando nos íamos para beijar naquela tarde de cinema em tua casa, queria provar que não sentia nada por ti, eu sei que sou estúpido e sou um imbecil da merda mas eu só te quero a ti - os meus olhos começaram a desfocar e o meu coração acelerou por ter quase a certeza de que a ia perder. Ela pôs uma mão à boca para não se deixar soluçar e fechou os olhos com força, deles escorreram lágrimas que não tinham termo.
   - Até quando, Gonçalo? - Perguntou com voz trémula, fraca.
   - Desculpa-me, eu não sabia nada...
   - Até quando?! - elevou a voz arreliada.
   - Até ao dia em que soube do teu tio - fechei os olhos, podia ser que fosse tudo mentira quando os abrisse mas não, eu contara a verdade e agora ia enfrentar as consequências.
   - Fodasse! - Praguejou ela e soluçou logo de seguida. Tentei aproximar-me dela mas o meu esforço foi em vão, ela afastou-se de mim significativamente.
   - Eu já não tenho dúvidas.
   - Sai! - Exclamou histérica esbugalhando os olhos vermelhos e apontando na direção da porta. - Sai de minha casa!
   - Não vou a lado nenhum.
   - Como não?!
   - Eu não te vou perder outra vez!
  - Já perdeste... - disse ela sem forças e agarrou nos joelhos para chorar. - Vai-te embora.
   - Fodasse! Já disse que não!
   - Gonçalo, eu não consigo mais.
   - Eu também não mas deixa-me mostrar-te! Sou melhor que isto!
   - De ti não quero mais nada.
  As palavras dela acertaram-me em cheio no coração mas mesmo assim cheguei-me perigosamente junto dela, ela tentou empurrar-me para longe mas rapidamente rendeu-se e não ofereceu resistência. Estava mais cansada que zangada e eu sabia-o. Embrulhei-a nos meus braços como se fosse uma criança e ela pôs os seus braços à volta do meu pescoço deixando a cabeça pender para a frente. O cabelo dela emaranhou-se no meu nariz e sentia o cheiro do seu shampô, cheiro a baunilha e depressa a minha cabeça tornou-se mais leve. Desliguei a luz da divisão e dirigi-me com ela nos braços para o seu quarto, abri a porta, liguei a luz de um candeeiro pequeno que existia em cima da sua secretária e deitei-a na cama. Fui em direção de novo à secretária mas desta vez a uma pequena aparelhagem cinzenta e comecei a procurar os CD's que Carolina ouvia, tentando escolher algo calmo e terno. Encontrei um CD dos The Fray, os que eu ia a ouvir no carro do Bernardo, decidi na hora que iria ser aquele e pus-lo a tocar numa melodia não muito alta mas confortável e discreta. Voltei de novo a minha atenção para a cama, como estava calor não valia a pena pôr os lençóis para baixo, estendi-a devagar e com toda a paciência de barriga para baixo com os braços ligeiramente afastados assim como as suas pernas. Antes de me posicionar em cima dela tirei as calças e a t-shirt, ficando apenas de boxers que era como eu sempre dormia. Reparei que ela olhava para mim mas não quis que ela tivesse segundos pensamentos da minha parte, aproximei-me da pequena rapariga maltratada pelo próprio destino e comecei a massagar-lhe a carne rija dos ombros até que a senti a derreter-se nas minhas mãos a dar de vez em quando gemidos de aprovação. Em cada músculo que eu tocava surtia o mesmo efeito, passei então para os braços, tocando ligeiramente na cicatriz do seu pulso e depositando um beijo na mesma, ela inspirou bruscamente e deixou-se relaxar de novo. Passei para as mãos - beijando cada dedo de cada uma, as costas, as coxas, as pernas e para acabar os pés. Queria que ela soubesse que eu adorava-a e adorava o seu corpo, mais do que uma simples maneira física. Queria venerá-la, mostrar-lhe que o meu sentimento era verdadeiro e por isso não foram precisas palavras ou quaisquer satisfações. Quando a senti mais relaxada debaixo de mim saí cuidadosamente da posição para me pôr ao seu lado na cama, agarrei-a com um braço e puxei-a para mim. Assim que a carne se encontrou com carne, nua e crua, os corpos aqueceram como se pertencessem um ao outro desde sempre. As formas um do outro encaixaram-se na perfeição e ela deitou confortavelmente a sua cabeça no meu peito passando um braço em redor à minha cintura enquanto o meu braço soterrado descansava na sua anca e o outro ia penteando as madeixas de cabelo espalhadas pelo meu corpo. A música continuava a dar e o ritmo do meu coração parecia condizer. Rapidamente a respiração dela tornou-se profunda e eu soube que ela tinha caído no sono. Queria tornar este momento eterno e foi quando me apercebi que amava esta rapariga, mais do que a mim mesmo. Entreguei-me assim ao meu inconsciente, agora limpo, à espera de a encontrar de novo.

"You found me, you found me..."