20110921

Gonçalo is speaking # 11

   Encontrava-me agora à porta de casa dela, as plantas do jardim da frente tinham crescido e estavam mal tratadas, a pintura encontrava-se gasta e suja e eu estava ali imóvel, pensando em tudo o que se tinha passado. A uns escassos metros de mim encontrava-se a Carolina, fechada no seu mundo e na sua concha. O que pensar? O que fazer? Ela não me vai querer ver, não tinha motivos para isso. Hesitei se deviria ir embora e apenas telefonar, mas eu sabia que não me iria perdoar a mim mesmo, eu sabia que tinha de pressionar o botão da campainha, mas estava tão inseguro que chegava a ser humilhante para mim mesmo. Vim a correr para a ver e agora que estou aqui não consigo agir. Tudo o que lhe disse, tudo o que a fiz passar agora arrependo-me. Pergunto-me se foi preciso ter acontecido algo deste tamanho para o fazer ou é apenas pena? Sei bem que a resposta a esta pergunta é bem mais complexa, mistura tudo o que sinto por ela com o certo e o errado. Deixei a Carolina sozinha, ela que me parece sempre tão frágil e tão pequenina e que eu sentira sempre que a devia proteger. Quebrei tudo, não só as promessas mas também o coração dela. Tinha-o nas mãos… e estava ali eu, a olhar para o botão cinzento, pequeno e redondo que, de certo modo, chamava por mim. Chamava-me para a Carolina. Mas antes que eu pudesse decidir a mãe dela antecipou-se por mim, ouvi um barulho e levantei a cabeça, a porta abriu-se e de lá saiu a mãe dela, Dona Carmo, com aspecto confuso, cansado e gasto como se tivesse andado nos últimos dias a trabalhar arduamente. Não duvido que sim. Ela veio cá fora pôr o lixo, pelo menos era o que parecia e ambos fomos apanhados de surpresa. Ela olhou-me e pareceu-me bastante atarefada, levou a mão à cabeça e sorriu-me. Por bem decidi ser eu a iniciar a conversa.
          G.:'Oh, olá dona Carmo, vim cá para ver a Carolina, ela está?'
        C.:'Gonçalo! já não te via à tanto tempo! Desculpa estar assim meio atrapalhada, tenho muita coisa a fazer… Sim, a Carolina está cá. Tiveste sorte, desde que ela soube da notícia  tem passado os dias no hospital. Hoje, com um pouco de custo, consegui convencê-la a vir para casa, até para ela descansar um pouco, tem estado sempre atenta a tudo.'
   Dona Carmo realmente parecia um pouco indagada com a minha presença ali, não a censuro. Ela já me conhecia, não era um mero estranho mas para minha infelicidade pareceu-me que era o meu rótulo desde uns dias atrás. Mal ouvi o nome de Carolina suscitou em mim uma certa curiosidade e preocupação, a minha menina…
      G.:'Pois imagino, sei bem como ela é. Desculpe vir sem avisar e também por só vir agora mas devido a algumas circunstâncias não pude vir mais cedo.'
       C.:'Mas está tudo bem?'
       G.:'Oh, sim sim! Coisas banais… Não é comigo que tem que se preocupar.'
   Estava à espera que tivesse de ser eu a perguntar se a poderia ver mas Dona Carmo entendeu perfeitamente o porquê de estar ali e sem demoras e com o lixo no contentor deu-me uma pancadinha no braço e pediu-me para a seguir. Era estranho, parecia a primeira vez que entrava naquela casa, simplesmente não era a mesma. Estava tudo desorganizado, a cozinha por arrumar, papéis no chão, um monte de cartas em cima da mesa da sala, um telefone que não parava de tocar… Enfim, uma desordem total. Passamos pelo meio da bagunça, onde Dona Carmo se desculpou por ter a casa assim, subimos as escadas e guiou-me até ao quarto. A mão dela empurrou a maçaneta da porta para baixo e esta abriu-se quase como sozinha. Antes de entrar olhou para mim com o olhar miserável… chamou por ela e disse-lhe que tinha visitas, mas não esperou resposta. De seguida pousou-me a mão no ombro e deixou-nos a sós. 



   A Carolina estava deitada na cama, permanecia estática e imóvel. Eu dirigi-me ao encontro dela e sentei-me a seu lado, os meus olhos demoraram a habituar-se à escuridão, mas ainda assim pousei-lhe a mão num dos braços e com um pouco de esforço consegui ouvi-la a chamar o meu nome. A voz dela era fraca e seca.
       C.:'Gonçalo..?'
       G.:'Sou eu minha pequenina, como estás?'
   Foi uma pergunta um pouco inconveniente devido à situação mas nem eu sabia o que havia de dizer, nunca a tinha visto assim. Queria protegê-la, mas nem sabia como, até a minha voz me soou estranha e a Carolina esforçava a própria voz para se fazer ouvir.
      C.:'Eu vou ficar bem… Porquê que chegas-te tão tarde..? Eu precisei de ti, onde estavas? Porquê que me disseste aquelas coisas..? Tu sabes que eu gosto muito de ti, porquê que me deixas-te sozinha..? Pensei que nunca mais te ia ver. Eu só não estava pronta... Eu...'
       G.:'Shh... Não precisas de justificar nada, quem precisa sou eu e já estou aqui.'
   Ela calou-se e eu fitei-a, os nossos olhares ligaram-se, não era a primeira vez mas sabia-me como se fosse. Passei a minha mão pelos caracóis dela e tentei sorrir mas foi em vão, ela apercebeu-se, tentou devolver-me o sorriso mas nisto começou a chorar, sentou-se e agarrou-me. Eu abracei-a com a mesma força e falei-lhe perto do ouvido para que, de alguma forma, ela soubesse o quão estou arrependido.
       G.:'Minha tonta, nada me desculpa de eu não ter estado presente, sinto-me culpado por isso. Mas eu quero que oiças bem isto que te vou dizer eu estou aqui agora e jamais te vou abandonar, entendes?! Diz-me por favor que entendes!'
       C.:'Entendo…'
       G.:'Terás sempre uma parte de mim contigo, parte essa que te estou a entregar agora, acredita só me vou embora quando tu me pedires para o fazer! Eu quero-te e já te queria à muito mais tempo, mas fui um tolo até me aperceber disso e quase que te perdia com essa brincadeira. Arrumei tudo dentro da minha cabeça nestes dias, sofri tanto sem ti miúda. Estou aqui a dar-te a minha palavra para te dizer que tu és onde eu quero estar.'
   O choro mútuo era inevitável e ela estava ali fraca e indefesa. Enquanto a mantinha presa nos meus braços olhei para o quarto em meu redor, estava tudo uma confusão, tal como o resto da casa. Beijei-lhe o topo da cabeça.
       G.:'Agora é a minha vez de te ajudar.'


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