20110903

Gonçalo is speaking # 7


   Passei o resto da tarde com a Carolina, como previsto. Depois de ambos arrumar-mos a cozinha como deve de ser, para a mãe dela não ter trabalho, ela decidiu que iríamos ver um filme de terror, acabadinho de sacar. Enfim, aquela miúda… Já sei bem o que a casa gasta, mostra-se forte ao ver este tipo de coisas, mas passado um bocado já tem uma almofada ou as mãos a taparem-lhe a cara para impedir que veja as piores partes. Alapei-me no sofá satisfeito com o almoço de à pouco e pus-me o mais confortável possível. Enquanto ela tentava encontrar o filme certo no meio dos imensos CD’s que ela tinha eu ia tirando da tigela algumas pipocas que ela tinha feito para nós. Nisto, quando me ouviu a mastigar olhou para trás e bateu-me na mão como se me estivesse a repreender.
     C.:'Não sejas guloso, espera por mim!' 
   Eu ri-me alto e ela retribuiu-me com uma careta. Play, o filme tinha começado e ela juntou-se a mim no sofá com uma almofada na mão e com a outra ia buscar as pipocas que se encontravam precisamente entre os dois. A meio do filme olhei para ela e apeteceu-me largar uma gargalhada novamente, como é que ela consegue? Lá estava ela, com os joelhos junto ao peito e, ao mesmo tempo, agarrada à almofada, tal como previ. Já não queria saber das pipocas e estava completamente vidrada no ecrã. Mantive-me calado e quieto, ficando a observá-la atentamente durante um bocado. Ela encontrava-se plenamente concentrada no que estava a assistir e eu plenamente concentrado nela, naquele momento, só existíamos nós. Algo mexeu comigo, como tinha acontecido até agora sempre que estava com ela. Comecei a olhá-la de uma maneira diferente, a contemplá-la, examinei-lhe o rosto com toda a minha paciência e cheguei à conclusão que já sabia de cor todos os seus traços, nem eu tinha essa noção. A Carolina era uma pessoa bastante simples, por essa mesma razão não usava maquilhagem, aliás, ela odiava isso. Mas, agora que a olhei verdadeiramente pela primeira vez, reparei que ela era possuidora de uma beleza invulgar mas especial porque era natural. Ia jurar que era a primeira vez que achara algo assim dela. O barulho estridente que ela fez "acordou-me" de tal maneira que eu me assustei.
     C.:'AAAAAAH! Não vás por aí!!!!' - dizia ela para a televisão.
   Os nossos olhos cruzaram-se e, sem poder evitar, desmancha-mo-nos a rir sem parar. Ela deixou cair a cabeça no meu ombro ainda a rir-se e deu-me uma pancadinha com o punho fechado para que parasse de rir dela. Atirei-lhe para cima uma pipoca que ficou presa num dos seus caracóis, ela ripostou com outra mas sem sucesso, tinha má pontaria mesmo estando tão perto de mim. Ela fez-me uma careta e tirou a pipoca do cabelo, arregalou os olhos e voltou a cara para o ecrã como se me mandasse estar atento. Sentia-me plenamente seguro ali com ela. Deitei-a no meu colo enquanto ela assistia  ao filme e penteava-lhe o cabelo. Quem diria que noutro dia a teria afastado completamente, não estou habituado a este tipo de coisas. Continuava a contemplá-la sem ela dar conta, naquele momento sentia-me como se tudo estivesse a dar certo e precisava que ela soubesse.
     G.:'És tão linda.'
   As palavras saíram-me sem as puder agarrar, a Carolina não tinha prestado atenção e com um movimento brusco agora encontrava-se virada para cima à espera que repetisse. Sorri e continuava a mexer-lhe no cabelo, ela não estava a entender mas também já não queria mais saber do filme, estava completamente focada em mim como se eu acabasse de lhe roubar a atenção por completo. A expressão da minha cara mudou, relaxei todos os músculos e aproximei o meu rosto do dela. Bruscamente senti-a a agarrar-me a mão o mais rápido possível para que parasse. Não percebi, pensei que ela senti-a o mesmo que eu… segurei a minha cabeça ao mesmo nível. Agora, olhava-mo-nos nos olhos, os nossos rostos estavam à distância da nossa respiração e esta tornara-se irregular. Peguei-lhe no pulso da mão que me havia agarrado, podia sentir a pulsação dela, tão rápida e tão calma ao mesmo tempo. Eu sabia que estava tudo certo, tinha de estar. Eu queria e ela? Tenho a certeza que sim. Eu sabia que ela gostava de mim à muito tempo. Não sei, e se mudou? Será que entendi mal? Mas antes que fizesse alguma coisa ela virou a cara de volta para a televisão, mas que merda?
     G.:'O que pensas que estás a fazer?!'
     C.:'Estou a tentar ver um filme..?'
   Rapidamente tirei-a do meu colo e fiquei a olhar para ela à espera de uma explicação que não veio.
     G.:' Agora também me ignoras?!'
     C.:'Gonçalo, pára de ser infantil.'
     G.:'O quê?!'
   Levantei-me do sofá e cerrei os punhos de tão irritado que estava a ficar.
     C.:'Simplesmente não quero. Agora senta-te e vê o filme.'
   Como é que ela me podia rejeitar?! QUE MERDA!! Virei-lhe costas e saí de casa dela batendo a porta com força atrás de mim. 








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