Gonçalo is speaking # 10

   Passaram-se semanas e a minha existência era completamente desprezível, sinceramente nem disso eu queria saber. O meu dia-a-dia tornou-se numa rotina aborrecida e enfadonha pela qual eu me viciei. Lá se foram os planos para um verão mais emocionante. O Bernardo convidou-me para ir surfar variadas vezes, mas nem isso já me interessava. Cheguei a falar com ele e contei-lhe tudo, tudo o que se passava e sentia. Ele ficou surpreendido com as palavras que utilizei, acho que não estava à espera que me sentisse assim em relação à Carolina nem que o descrevesse com sentimentos tão profundos. Foi bom largar tudo a alguém que confiava, sentia-me melhor só por isso. Mas ainda assim desliguei-me de tudo o que me rodeava, ainda andava tão em baixo e sem paciência para nada. Ele andava mesmo preocupado comigo, mandava-me mensagens todos os dias e isso é uma coisa que nele não é normal, de todo. Cada vez que ele tentava falar comigo sobre isso de novo eu não era capaz, não me queria lembrar de tudo. Passava os meus dias no quarto a ver tv e enfiado na internet. As coisas que eu considerava serem insubstituíveis para mim eu via-as a fugirem-me por entre dedos. Talvez podia reave-las quando tudo voltasse ao normal, seja lá o que isso for, ou então nunca as ia ter de volta. Que merda! Não posso pensar mais nisto! Até a minha mãe se preocupava comigo, a minha querida mãe tem reparado no meu comportamento estranho, não é difícil para quem vive comigo todos os dias desde que nasci. Ela ainda à tempos me perguntou o que era feito da Carolina e eu não lhe soube responder, tinha acabado de abrir ainda mais uma ferida que estava por sarar ainda. Perguntou-me se não a podia convidar para vir cá a casa jantar mas rapidamente lhe disse que ela andava demasiado ocupada e que não tinha sido a mesma coisa à muito tempo, nunca mais referiu o nome dela. Eu sabia que a minha mãe a adorava, ela gostava tanto que eu ficasse com ela... Imaginava ela que eu a queria... E acabo sempre a falar nisto.

   Decidi sair um bocado do meu quarto e desci até à cozinha, preparei-me um lanche e enquanto o devorava a minha mãe chegou do trabalho.

     M.:'Isto só pode ser uma miragem! Saíste do teu quarto? E fizeste o lanche? O que fizeste ao meu filho?'

       G.:'Que engraçada mãe, estava cheio de fome mas a empregada só chegou agora' - soltei uma gargalhada.

       M.:'Bem, pelo menos já estás a rir.'

       G.:'Sabes que o disse a brincar.'

       M.:'Tenho uma coisa para falar contigo, Gonçalo.'

       G.:'O que se passa mãe?'

       M.:'Já falaste com a Carolina?'

       G.:'Não. Sabes bem que já não falo com ela à muito tempo...'

     M.:'Pois mas devias, se eu tivesse conhecimento disto mais cedo bem que te tinha obrigado.'

       G.:'De quê que estás a falar?'

      M.:'Gonçalo, a Carolina descobriu já à algum tempo que o tio dela tem cancro, não me parece que ele esteja a fazer quimioterapia, deve de estar em fase terminal, foi o que me disseram. Acho que é melhor falares com ela...'

       G.:'Há quanto tempo mãe?!'

       M.:'Mais ou menos quando vocês se afastaram, pelo o que me disseste...'

   Não dei oportunidade para a minha mãe dizer mais nada, ela entendeu. Saí da cozinha a correr para vestir algo que parecesse normal andar na rua, só para não ir de calções de dormir, passei os dedos pelo cabelo rapidamente, lavei a cara e os dentes e abandonei a casa a correr. O que é que eu tinha feito...