20120227

Gonçalo is speaking # 18

[Carolina]
   Abri lentamente os olhos e espreguicei-me mas o espaço onde me encontrava era demasiado pequeno o que me fez perceber que estava no sofá do hospital, tinha adormecido de novo. Mais um sonho sobre ele, o meu ânimo rapidamente ficou em baixo quando me apercebi que não era real. Tentei levantar-me devagar pelo que vim logo a desistir, levei a mão ao pescoço e estremeci com as dores. Fechei novamente os olhos e deixei cair a cabeça na almofada da minha "cama" improvisada, massajei o pescoço e tentei concentrar-me só nessa dor. O ambiente permanecia calmo, visto que me encontrava sozinha, mas também muito pesado, embora já estivesse habituada ainda me deixava inquieta. Deixei escapar um longo suspiro e olhei para trás sob a almofada, pude reparar que a sandes que a mãe do Gonçalo me tinha trazido permanecia intocável, que fome. Ia ser um processo difícil mas ganhei coragem e tentei mais uma vez pois a fome falava mais alto, devagar e ao meu ritmo levantei-me com sucesso. Após alcançar a sandes trouxe junto com ela o meu telemóvel que não tinha parado de tocar desde à três dias atrás. Já eram oito e vinte da noite, dormi durante a tarde toda, mais um dia tinha passado e estava por vir mais uma noite em branco. Estremeci com o pensamento e pousei o telemóvel ao meu lado na minha "cama", comecei a desembrulhar a sandes finalmente, nem esperei para a desembrulhar toda e ataquei-a mal pude, nham! Enquanto me tentava pôr ocupada, a devorar o que tinha nas minhas mãos, o meu olhar viajou pelo quarto e só parou na cara dele inevitavelmente. Tão pálido, tão calmo, tão quieto... Quando dei por mim reparei que me tinha esquecido de mastigar, atrapalhei-me e não demorou muito para desviar o olhar e preencher a mente com outras coisas. Sem estar a contar a maçaneta da porta de entrada rodou lentamente e esta abriu-se do mesmo modo, era a mãe do Gonçalo.
       M.G.: 'Ah Carolina, já acordas-te, pensei que ainda dormias.'
       C.: 'É, parece que me deu a fome.'
   Mostrei-lhe o que restava da sandes que tinha na mão e tentei esboçar um sorriso, muito exagerado...
     M.G.: 'Finalmente, não tens comido nada. Olha, eu vou ter que ir a casa buscar qualquer coisa para petiscar, as máquinas daqui avariaram e não tenho muito dinheiro comigo, não te importas de ficar sozinha?'
       C: 'Não se preocupe, não fico sozinha.'
   O meu tom de voz fez-la perceber a minha afirmação, ela sorriu-me também exageradamente e mal o olhar dela se cruzou com o corpo imóvel dele os olhos dela ficaram marejados de água. Na tentativa de não se descompor tossiu rapidamente para disfarçar, virou costas e dirigiu-se à porta. O sentimento dela tocou no meu inevitavelmente o que fez com que o meu peito pesasse mais 5kg. Respirei fundo e lentamente me fui aproximando da cama, mas sempre de olhos postos no chão. Percorri o cobertor desde os seus pés com a mão até alcançar a dele, os meus dedos e os dedos dele, parece que fez faísca quando o senti gelado debaixo do meu toque quente... Assim deixei o meu corpo tombar em cima dos lençóis que o cobriam como se me tivessem escapado todas as minhas forças. Olhei para o rosto dele que despertava em mim uma maior preocupação, arranhões e algumas nódoas negras cobriam-lhe a face e apercebi-me que eram imensas as ligaduras que lhe cobriam a cabeça. Só o simples tocar me fazia confusão, por mais que ele estivesse em coma dava-me a sensação que a dor não tivera desaparecido. À medida que me concentrava em cada detalhe que o acidente lhe provocou sentia-me ainda mais pesarosa como se o peso total do mundo inteiro estivesse exactamente em cima das minhas costas. Então o choro passou a ser interminável.



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